Em tempos de produção em massa e consumo acelerado, a cerâmica artesanal resiste em Campos dos Goytacazes como símbolo de identidade cultural, criatividade e trabalho manual. Com raízes profundas na história da região, a prática do barro moldado se reinventa por meio de projetos sociais, ateliês e oficinas que unem tradição, inclusão social e sustentabilidade.
Um dos principais exemplos dessa resistência é o projeto Caminhos de Barro, vinculado à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Criado em 2015, o projeto nasceu da necessidade de promover autonomia e geração de renda para comunidades excluídas do processo produtivo convencional, como mulheres, idosos e pessoas com deficiência.
Sob a coordenação da professora Ana Luiza Pereira, o Caminhos de Barro oferece capacitações em técnicas de modelagem, queima e acabamento em cerâmica, aliando saberes populares a métodos acadêmicos. As oficinas acontecem em bairros como Parque Santa Rosa, Penha e Ururaí, e já revelaram dezenas de talentos locais. “É mais que ensinar a fazer peças. É resgatar autoestima, contar histórias através da argila”, afirma Ana Luiza.
Outro destaque no cenário da cerâmica campista é o ateliê Espaço +Q Perfeito, localizado no bairro Turf Club. Fundado por Luciane Gonçalves, o espaço funciona como loja, oficina e também como escola de mosaico e cerâmica. Lá, são produzidos vasos, painéis decorativos, peças com inspiração indígena e itens personalizados para decoração. Além disso, o local abre espaço para que alunos e clientes experimentem o contato com o barro, despertando habilidades artísticas muitas vezes adormecidas.
“Cada peça leva um pouco de quem a fez. É um trabalho emocional, terapêutico e transformador”, conta Luciane, que trabalha com cerâmica há mais de 15 anos e hoje é referência na cidade.
Essa valorização do feito à mão também se conecta a um movimento nacional de resgate das culturas regionais. Em Campos, a argila abundante do solo favorece o trabalho com cerâmica desde os tempos coloniais, quando comunidades indígenas e quilombolas já utilizavam o barro na confecção de utensílios e arte sacra.
Hoje, esse saber ancestral ganha novos contornos. A sustentabilidade também está no foco: as oficinas reaproveitam materiais, usam fornos ecológicos e promovem o consumo consciente. O artesanato em cerâmica é, ao mesmo tempo, resistência, renda e arte.
Visitar esses espaços é uma experiência sensorial: sentir a argila nas mãos, ver o barro ganhando forma, entender o tempo de cada peça até o forno e a beleza imperfeita que torna cada obra única. Mais que arte, é um reencontro com a origem.
E se depender da paixão desses mestres e mestras do barro, a tradição vai continuar moldando novas gerações.